Lei de exibição de filmes de produção nacional nas escolas – Parte 1
Lei N. 13.006, de 26 de junho de
2014, determina que “a exibição de filmes de produção nacional constituirá
componente curricular complementar integrado à proposta pedagógica da escola, sendo
a sua exibição obrigatória por, no mínimo, 2 (duas) horas mensais”.
O cinema nacional passa a fazer
parte do currículo e agora é hora de pensar sua efetivação, já que a lei passa
a vigorar a partir da sua publicação.
É certo que a exibição de filmes
já faz parte do cotidiano de muitas escolas, mas não de tantas como poderia. A forma
da lei estabelece senão a garantia, pelo menos constitui uma chamada para
contar com o cinema de forma regular na realização do currículo na educação
básica.
A melhor conversa para decidir
como encaminhar a implementação da lei é aquela que poderá ser realizada entre professores
e professoras nas escolas. Mas depois de muitos anos de trabalho na educação
básica e também pesquisando e orientando dissertações que lidam com o diálogo
entre educação e cinema, gostaria de desenvolver algumas ideias sobre o
assunto.
*
A concepção de que o cinema educa
não é novidade. Vamos encontrar desde a origem do cinema práticas de seu uso com
a pretensão de educar o público. Possibilidades que governos não ignoraram pensando
na propaganda política. Assim como o movimento escolanovista que viu no cinema
aspectos formativos que a escola bem que poderia não ignorar também.
Cecília Meireles (2001, p. 7), uma
das personalidades que participou do Manifesto dos Pioneiros da Educação Nova,
observou: “um dos auxiliares mais importantes para o professor moderno, todo
mundo sabe, - é o cinema”. Sobre esse recurso para o “professor moderno”,
Cecília Meireles escreveu em 1930!
Depois de 80 anos, ainda podemos
nos referir à atualidade do cinema para a educação. Não precisamos enfatizar
sua “modernidade” diante de uma suposta propriedade mágica que meios e técnicas
poderiam proporcionar ao desenvolvimento da educação. Bem melhor uma atitude
modesta e sensata. Basta considerar que o cinema é uma mídia e também uma
relação social amplamente compartilhada e que seu uso é aproveitar elementos
que já conhecemos a respeito das suas capacidades na comunicação e na
expressão.
Portanto, não se trata de devotar
ao cinema capacidades milagrosas diante dos sérios problemas já conhecidos na
educação nacional. Mas levando em conta
que atuar sobre tais problemas é também uma ação e uma política cultural, o
diálogo com o cinema é uma “atração” valiosa se bem explorada.
Não existe um “bom uso do cinema”
nas escolas alheio a uma concepção de educação proveitosa, é o que quero dizer.
Estou pensando nos desafios da escola pública, mas podemos admitir isso de uma
maneira mais geral também. Para usar o cinema nas escolas, assim como qualquer
outra prática pedagógica, é melhor se partir de uma concepção de educação
crítica.
Tal abordagem abre diferentes
caminhos para a reflexão sobre os usos do cinema na escola. Penso em articular
aqui apenas uma perspectiva, que acredito pertinente a um projeto educativo
mais plural e preocupado, como disse, com a sorte da educação pública – e das
classes populares. Lembrando Paulo Freire, o diálogo, também aqui, é bem-vindo.
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Às vezes vamos ao cinema para
assistir “filme de arte”. Perfeito, muito bom. Mas ao levar o cinema para a
escola vale a pena considerar que não se trata de impor gostos e visões de
enlevo artístico através do cinema. Assistir filmes com alunos e alunas é
construir um gosto, mas preferencialmente dialogando com a vida dessas crianças
e jovens. Como em tantas outras iniciativas, não adianta querer impor o que
deve ser visto. É preciso negociar com essa audiência.
As formas de diálogo são muitas, mas
não acredito em prescrições e em formas de ensinar as escolas. Aposto, contudo,
na vantagem da abertura do professor e da professora para o interesse já
desenvolvido por esse “público”. Dialogar com esse interesse no lugar de
desejar impor coisa “melhor”. Talvez esse seja o desafio: mostrar nas escolas o
que ainda não conhecem (inclusive, educadores e educadoras!), mas sem depreciar
a cultura visual que possuem.
Certa vez, conduzindo uma
pesquisa que me levou a propor filmes em uma escola para posterior conversa com
seus alunos e alunas sobre o que assistimos, recebi a sugestão de um deles para
mostrar em outra sessão um filme que gostavam muito. Eu não gostava nada desse
filme. Mas resolvi aproveitar o interesse já existente, tentando compreender
também as motivações, no lugar de recusar a curiosidade já existente na escola.
Para o trabalho, isso também cria uma confiança para outros momentos.
Então, mostrar um filme é uma atividade
pedagógica e como tal deveria ser orientada (ou desorientada, se preferirem...)
também por uma visão sobre a educação. Particularmente, como leitor de Paulo
Freire (entre outros educadores e educadoras), acredito nas boas possibilidades
do diálogo e no conhecimento comum, no lugar da prática exclusiva do suposto
conhecimento do professor e da professora.
*
A ideia do diálogo é ainda
pertinente porque a lei é diretiva a respeito da origem dos filmes que devem
ser exibidos. Trata-se de uma lei que contempla especificamente a exibição de
filmes brasileiros. Sem entrar na discussão sobre o caráter compulsório dessa
exibição, o fato é que o cinema brasileiro ainda é desconhecido na sua
pluralidade e temos aí a chance de conhecer um pouco mais dessas produções, filmes
de grande relevância para a cultura nacional.
Mesmo partindo da ideia de que o
consumo do cinema é uma experiência popular, isso, de todo modo, é bem
relativo. Otávio Júnior (2011, p. 53), jovem morador do Complexo do Alemão, que
reúne 140 mil pessoas e vinte comunidades, na cidade do Rio de Janeiro, conta
que, apesar das inúmeras locadoras de DVD disponíveis, muitas crianças “nunca
foram ao cinema, ao teatro, ao circo”. No dia que comentei sobre isso em uma
aula, na graduação em Pedagogia, no Campus Nova Iguaçu da UFRRJ, um aluno,
muito participativo nas aulas, disse que foi ao cinema pela primeira vez apenas
com 19 anos.
A presença do cinema no currículo
é uma aproximação que poderá colaborar para maior participação de alunos e
alunas na vida cultural da cidade, inclusive frequentando espaços que ainda são
pouco conhecidos por tantos habitantes. Já existem programas em escolas de “ida
ao cinema”, mas são iniciativas tímidas. Poderiam ser expandidas, com maior deliberação
da administração escolar. A lei não precisa ser interpretada de forma restrita:
passar filmes nas escolas. A escola pode (e deve...) ir ao cinema também.
E mais, o universo do cinema é
expansivo, com muitas movimentações para conquista de público e promoção de obras
que não são valorizadas através da distribuição e exibição comercial dos filmes.
Cineclubes deveriam ser relacionados nessa rede cinema-escola-currículo.
Poderiam, inclusive, ser criados nas escolas! A criação de cineclube em uma
escola contaria com grande mobilização e participação de alunos e alunas. É
também o tipo de atividade escolar que poderia se aberta à comunidade em
sessões especiais.
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Essa conversa sobre cinema brasileiro
nas escolas continuará com outras publicações no Blog.
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Referências
JÚNIOR, Otávio. O livreiro do alemão. São Paulo: Panda
Books, 2011.
MEIRELES, Cecília. Crônicas de Educação 4. Rio de Janeiro:
Nova Fronteira, 2001.
Interessante olharmos por essa perspectiva. Esperamos que abra sim diferentes caminhos para a reflexão sobre os usos do cinema na escola. Que a Lei 13005 motive educadores a saber bem explorar o diálogo com o cinema. Aliás, vejo que os recursos tecnológicos disponibilizados em algumas escolas públicas não são explorados adequadamente, isso quando são. Concordo que os diversos alunos venham contribuir ativamente na vida cultural da cidade com a criação do cine clube na escola e levando a escola ao cinema.
ResponderExcluirOi, Everson. Agradeço sua leitura e comentário.
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