Numa Escola de Havana
No final de
2014 uma notícia sobre a educação em Cuba foi amplamente compartilhada nas
redes sociais. Segundo relatório publicado pelo Banco Mundial, Cuba possui o
melhor sistema educativo da América Latina e do Caribe. Notícia que parece
confirmar, apesar de todas as contrariedades e contradições: A Revolução Cubana
(1959) promoveu resultados nunca alcançados pelos sistemas de educação, mas
também de saúde, de outros países da região.
Quando soube de
Numa Escola de Havana, filme de Ernesto
Daranas Serrano , o citado relatório do Banco Mundial foi a primeira coisa que
me ocorreu. Depois me lembrei de um livro que li, ainda na faculdade, nos anos
80, sobre o assunto: A escola em Cuba, de
Tânia Zagury. Vagamente, me recordo de algumas considerações da autora, em uma
época que a educação no país já era destacada como muito bem sucedida. Eu me
lembro que Tânia Zagury sublinhava as características até conservadoras da
educação cubana.
Eu não sabia muito
bem o que esperar do filme e fui à sala de cinema com apenas essas referências.
Não contava adquirir mais conhecimentos sobre a escola cubana, mas aguardava algumas
imagens que pudessem traduzir, para o cinema, essa mística sobre a revolução e
a escola cubana. Depois de ter lecionado por mais de uma década na escola
pública municipal do Rio de Janeiro, desejava algumas imagens que de alguma
maneira me aproximassem da escola cubana também.
Numa Escola de Havana não é um elogio à
escola cubana, nem ao regime. Pelo contrário, através dos protagonistas Chala e
Carmela, um aluno e uma professora, além de outros personagens, o filme narra
uma trama que apresenta uma sociedade enredada pelo poder, despersonalizada pelo controle e sufocante
pelos graves problemas sociais. Não é um filme “chapa-branca” e assim deve
mesmo ser o cinema.
Antes de
comentar o que destacaria do filme, gostaria de dizer que a minha apreciação
não é exatamente sobre as suas qualidades artísticas (seja lá o que isso
for...), mas tão somente sobre a narrativa que faz da obra um “filme de
professor”, ou seja, que faz do cinema uma das vozes que dialoga com a
educação. Então, o cinema como um dos personagens que atua nas conversas sobre
a educação, discutindo seus cotidianos, suas circunstâncias e sua finalística.
Chala é um
menino que vive premido pela situação social e a autoridade do Estado. Mora com
a mãe, prostituta. Cria cães para ganhar alguns trocados nas rinhas que o seu provável pai organiza. Vivendo o início
da sua juventude como uma experiência condicionada, mas de intensas vivências,
encontra-se sempre ameaçado pelo governo escolar e a vigilância da assistência social.
O risco é ser enviado para uma “escola de conduta”.
Carmela é uma
professora experiente, que já poderia estar aposentada, mas segue trabalhando. Na
escola em que trabalha, alguns episódios revelam a vulnerabilidade social em
que se encontram alguns dos seus alunos. Mas não apenas isso. Trata-se de um
cotidiano muitas vezes opressor diante dos “princípios da revolução” e da
administração burocrática do lugar. Carmela é uma professora inspiradora, sempre
coerente com uma concepção da educação protetora dos seus alunos, mesmo
arriscando sua condição.
O filme não
contém um debate explícito sobre a educação, mas através dos seus atos, Carmela
poderia ser identificada como uma “educadora popular”. É estranho que essa identificação aconteça a
partir de um contraste com outros personagens e situações que deveriam ser
identificados com a “educação socialista”. Para quem assiste ao filme motivado
pela ideia da “educação popular”, a simpatia é toda para a professora e nada
para a organização escolar cubana.
Se
o filme é um retrato geral da situação da escola e da educação em Cuba, não
importa muito. Sem dúvida é bastante coerente com tantos relatos sobre a
sociedade cubana. Nesse caso, de todo modo, o filme propicia uma boa
oportunidade para discutir o conceito de “educação socialista”. Apesar do
título adquirido no Brasil, o filme é principalmente um elogio à conduta
(inclusive, Conducta é o seu título original) de uma professora que se mantém íntegra,
apesar das diligências do poder.
Entre
outros momentos marcantes do filme, um episódio envolve o gesto de uma menina
que coloca um “santinho” em um quadro na sala de aula e Carmela é cobrada por
não ter excluído a imagem católica do lugar. Carmela não exerce ação arbitrária
alguma sobre seus alunos. Pelo contrário, move todos os esforços para
fortalecer suas presenças na escola e até protegê-los da vigilância e punição
do Estado.
Quando
Chala é enviado para uma “escola de conduta”, Carmela interfere e o leva
novamente para a sua escola, gesto que provoca forte reação da assistente
social e da diretora da escola. Contra a professora, então, é planejada a sua
aposentadoria. O conflito entre a autoridade do Estado e uma professora que
dedicou sua vida à fortaleza dos seus alunos através da educação é o eixo político
e pedagógico do filme.
Um
filme é como um sonho, há sempre mais coisas nele do que seu conteúdo
manifesto. Numa Escola de Havana é um
filme que discute mais amplamente um regime, uma sociedade. Então, o filme pode
também não ser sobre educação, mas sobre o país. Mesmo para quem está mais
interessado na escola, não deixa de ser uma abordagem estimulante. Para pensar
um país, uma narrativa sobre os personagens de uma escola é um caminho
revelador.
O
cinema não é apenas uma forma de ver as coisas, mas também de interpelar nossa
coragem para enxergar. Assisti ao filme duas vezes e nas duas ocasiões não
consegui manter os olhos abertos nas cenas em que os cães brigam mortalmente.
Cenas fortes, mas que não foram feitas por sadismo. São cenas que querem saber
sobre esses jogos de visibilidades e invisibilidades nas sociedades, o que
estamos ou não estamos querendo ver.
A
linguagem cinematográfica é uma pedagogia da imagem. Com ela educamos o nosso olhar.
Algumas cenas do filme acontecem no telhado do prédio em que mora Chala. São
cenas que oferecem um ângulo diferente para ver a cidade. Pensar e praticar
outra escola – e outro país – renova-se quando olhamos de outros lugares. Não
existem apenas os “problemas de sempre”, mas ainda o “mesmo olhar”.
Chala
não cria apenas cães, mas também pombos. Parece existir uma curiosa metáfora
nesses pombos do filme. Logo na primeira cena nos deparamos com uma imagem que
imprime uma forte impressão de liberdade a partir das asas e voo dessas aves.
No entanto, são criadas presas, engaioladas. Quando voam, trata-se de uma
liberdade disciplinada. Há uma contradição entre a capacidade de voar e como
realmente vivem. Através dessas imagens, é o socialismo da ilha que é interrogado.
*
Capa do livro A
escola em Cuba: impressões de uma educadora brasileira
*
Título Original: Conducta
Direção: Ernesto Daranas Serrano
País: Cuba
Ano: 2014
Classificação indicativa: 14 anos
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