Conto de escola




A história começa e termina com a mesma dúvida na cabeça do seu narrador. Entre os caminhos da escola e outros passos, a dúvida sobre o que seguir. Na verdade, apenas no início da narrativa a escola ainda é uma opção. Quando novamente se depara com caminhos e descaminhos, um som é o que irá seguir, para bem longe da escola...

Conto da escola, de Machado de Assis, nos leva para o ano de 1840, quando seu personagem, narrador da história, recorda-se e conta sobre dias vividos na infância entre a frequência escolar e a encantadora vida nas ruas da cidade. O narrador volta no tempo, mas, mesmo sem saber, avança também. 170 depois, para muitas crianças ainda, a mesma dúvida.

A versão aqui utilizada para essa conversa sobre Conto da escola é uma edição ilustrada pelo artista Nelson Cruz. O conto foi escrito originalmente sem desenhos. Para o ilustrador, então, o desafio é dialogar com seus traços em uma narrativa já escrita. Para o leitor, por sua vez, o desafio é ler com as imagens, mas um texto que não previa esse acompanhamento.

Como em toda ficção, as imagens “aparecem” para os leitores. Todo texto evoca suas imagens e a própria leitura tece outras também. Ficção e imagens existiram sempre, lado a lado. A ilustração de narrativas escritas é outra presença que especula com a nossa fantasia e contém a sua própria pedagogia. Os desenhos em uma página que lemos integram a recepção.






Em uma manhã de segunda-feira nosso personagem decide onde iria brincar. “Aqui vai a razão”, no entanto. Decide ir para a escola. “Não era um menino de virtudes”. Sua decisão foi guiada pelo medo do pai, que o havia castigado severamente por duas aulas que havia faltado. O pai sonhava sua posição de adulto, enquanto o cotidiano apelava para a sua condição de criança.

Mas se a presença escolar é um sequestro da movediça vida urbana, porque a mobilidade é barrada pela estática das carteiras e comportamentos, isso não significa inexistência de cotidianos – que não são repetições, mas oportunidades para novidades, vivacidades e singularizações. O fixo e o estável cedem ao encontro e às erupções.

Dedicado ao trabalho escolar, havia tempo também para devaneios: desenhar o nariz do professor, pensar nas brincadeiras de rua perdidas na sala aula e ainda nos numerosos amigos que estavam lá fora. Contudo, episódio precipitado por dois colegas de classe, terminará na mão pesada da punição sentida no peso da palmatória.

No dia seguinte, mais uma bela manhã ensolarada novamente desafia o caminho a ser seguido. Na rua, um batalhão de fuzileiros marcha. “Não fui à escola... O diabo do tambor”. Lido hoje,  Conto de escola nos coloca ainda diante de uma inescapável questão. Naturalmente são encantadores os motivos para deixar de ir à aula – ou pelo menos estar com o pensamento distante. 






As ilustrações da vida urbana, conta Nelson Cruz em uma nota no final do livro, foram ralizadas através de pesquidas que fez com obras de artistas do século XIX e também fotografia do início do século XX que retratam o Rio de Janeiro, cidade onde se desenvolve a trama da narrativa. Parece não ter havido, para as imagens na sala de aula, outra fonte senão o próprio texto.

Marcante na ilustração do conto de Machado de Assis o contraste entre as cenas abertas da cidade e o ambiente enclausurado da sala de aula. Fora da sala de aula, a vida parece não ter limites, fisicamente e na imaginação. Já a escola limita o movimento e inibe o contato até entre seus frequentadores. Para as correspondências, é preciso não ser notado nem ouvido.    

As imagens acentuam a narrativa da autoridade do professor e da  brutalidade da punição, presentes no texto. Nos desenhos, a imposição do professor e o temor da sua ira. Mas também a impossibilidade de tudo impedir. O poder existe, mas não evita. O trânsito entre a escola e rua produz sempre fugas e outros desejos.

As imagens utilizadas aqui foram extraídas de um blog mantido por Nelson Cruz, onde ilustrações de outros trabalhos podem também ser vistas: http://nelsoncruzilustrador.blogspot.com.br/

Conto de escola tem provocado ainda outras narrativas com imagens, algumas filmadas também, como o vídeo abaixo. 




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