O Melhor Professor da Minha Vida
“Vou
sentir a sua falta”.
É o
que diz o jovem Seydou para o professor de literatura François Foucault na
despedida. Estou falando de O Melhor
Professor da Minha Vida, de Olivier Ayache-Vidal, filme em cartaz recentemente, mas a cena me
fez recordar de uma ocorrência com um aluno meu, quando lecionava na rede
municipal do Rio de Janeiro. No filme, François Foucault está retornando à sua
escola de origem, deixando uma escola de periferia, após um ano, para continuar
o seu trabalho no prestigioso Liceu Henrique IV, no centro de Paris.
No meu
caso, estava deixando a minha escola no bairro de Benfica, zona norte da cidade,
para uma licença de dois anos para a conclusão do meu doutorado em educação, na
UFF. Meu aluno apenas perguntou se eu estava realmente de saída, episódio
escolar que terminei narrando na minha tese A economia política da diferença: identidade e diversidade
cultural no Multieducação – Núcleo Curricular Básico do Município do Rio de
Janeiro. A tese foi publicada pela editora Cortez.
Assim como a minha história com o
jovem estudante no ensino fundamental, a relação do professor Francois Foucault
com Seydou também foi tensa. O que mais
achei interessante no filme francês foi exatamente a identificação com a
realidade de outras tantas escolas, em muitas outras periferias, inclusive, na
cidade do Rio de Janeiro. O Melhor Professor da Minha Vida nos mostra problemas da educação na Europa
que muitas vezes imaginamos só existir nas nossas escolas, no Brasil.
François Foucault é um professor
severo e autoritário, atribuindo notas baixas em quantidade e zombando dos seus
alunos. Um personagem conhecido por aqui também. Mas para François Foucault
tudo parece sob controle, até que um inesperado acontecimento muda a sua vida
no magistério. Em uma noite de autógrafos na livraria Gallimard, no lançamento
de um livro do seu pai, comenta com um intelocutor, em tom crítico, que
deveriam enviar professores experientes para lecionar na periferia.
Um “infeliz” comentário porque uma
funcionária do Ministério da Educação presencia a conversa e François Foucalt
termina, a contragosto, envolvido em um projeto para reforma no ensino e
transferido, por um ano, para lecionar uma escola da periferia de Paris. Ali
inicia o seu trabalho de forma brutal com alunos e adicional preconceito diante
de jovens imigrantes. Quando acredita ter desaparecido seu celular proibe a
turma de sair da sala. Não escapa aos alunos sua infundada suspeita.
Sagaz no roteiro do filme o cruzamento
entre as realidades de uma escola da periferia de Paris com a de uma escola
exemplar do centro da cidade. A jornada de François Foucault no magistério será
a faísca que vai acender a nossa visão para o desencontro dessas realidades,
mas, sobretudo, para a percepção de que os jovens estudantes da periferia estão
em desvantagem. Isso acontece porque as escolas, na verdade, não foram organizadas
para eles, podemos concluir.
Uma série de atritos e incompatibilidades
evidenciam que professores e alunos não estão dividindo as mesmas expectativas,
nem falando a “mesma língua” –
literalmente, não apenas em razão do encontro de diferentes idiomas, no caso, em
razão da imigração, mas principalmente diante das trajetórias diferenciadas e a
alteridade das biografias sociais de todos os personagens que frequentam a vida
nas escolas. Falta de acomodação à instituição educação que a escola resolve
punitivamente, contra os alunos.
A narrativa do filme remete ao
clássico maior dos “filmes de escola”, Ao
Mestre Com Carinho (1967), quando a trama escolar afeta François Foucault
de tal modo que vive uma trajetória heróica, exemplar, mudando de atitude,
deixando sua prática excessivamente vigilante e rigorosa em favor de uma
compreensão maior de seus alunos, uma mudança encarnada na sua relação com
Seydou. A mensagem é muito terna, mas está aí também o maior problema do filme,
se visto criticamente.
O Melhor Professor da Minha Vida é
uma agradável comédia, mas com um olhar sobre a situação educacional nas sociedades
contemporâneas, é um filme ameno. O que vislumbramos como atuação divergente de
um professor é a sua contundência diante da autoridade escolar para socorrer um
aluno da expulsão. No final da sua experiência na periferia, François Foucault
é um professor mudado, mais compreensível com quem antes nutria apenas repulsa.
Mas o cinema, como crítica da cultura e da civilização, pode bem mais do que
isso.
Se pensarmos em outra produção
francesa relativamente recente, Entre os
Muros da Escola (2008), de Laurent Cantet,
O Melhor Professor da Minha Vida não
avança politicamente na investigação das contradições que cercam a prática
educacional nas escolas que recebem uma população desamparada pelo poder. E se
procuramos na história do cinema francês, Zero em Comportamento (1933),
de Jean Vigo, parece um clássico insuperável, até para a realidade nas escolas
nos dias de hoje.
Um comentário final sobre a
exibição do filme na cidade do Rio de Janeiro. Assisti ao filme em Botafogo, no
único cinema em que estava sendo exibido naquela semana. Depois de três
semanas, o filme saiu de cartaz no bairro e passou a ser exibido em outro cinema,
em Copacabana. Ou seja, enquanto François Foucault vai do centro à periferia de
Paris na sua jornada de professor, seu filme, no Rio de Janeiro, começa em um
bairro na zona sul da cidade e depois segue para outro também da zona sul e
ainda mais distante do centro. Por aqui, François Foucault não chegou nem ao
centro da cidade, imagine na periferia!
*
Título: O
Melhor Professor da Minha Vida
Título Original: Les Grands Esprits
Direção: Olivier Ayache-Vidal
País: França
Ano: 2017
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