Aos Teus Olhos
E se o seu o filho chegar em casa dizendo que
foi beijado pelo professor?
Aos Teus Olhos, de Carolina Jabor,
ainda em cartaz no Rio de Janeiro, é mais um filme brasileiro recente com um
conteúdo que proporciona uma boa conversa sobre educação. No caso, a propósito
da relação do professor com seus alunos e os afetos correspondentes em uma
época de múltiplos contatos, mas de muitas vigilâncias também. Não é um
característico “filme de escola”, não me pareceu esse o objetivo da diretora,
pensar especificamente as relações interpessoais na educação. No entanto, é um
filme que pode ser apropriado para pensarmos sobre a questão na educação hoje.
Rubens (Daniel de Oliveira) é professor de
natação em um clube. Um de seus alunos, Alex (Luís Felipe Melo), de oito anos,
afirma para a mãe que foi beijado pelo professor. Os pais da criança, Davi
(Marco Rica) e Ana (Stella Rabelo), são separados e estão sempre em relação
tensa. Quando Alex diz ter sido beijado pelo professor, Ana inicia uma
correspondência com outros pais através de redes sociais, mas sem conversar com
o pai da criança sobre a iniciativa. Rapidamente Rubens é exposto à acusação de
pedofilia e repulsa coletiva.
Aos Teus Olhos me pareceu um estudo
sobre os riscos das conclusões definitivas em uma época de muitas
ambivalências.
Virtualmente, estamos mais próximos do que em
qualquer outra época. Facebook e WhatsApp permitem um contato instantâneo. No entanto,
permitem também uma cesura automática diante de um cenário em que a comunicação
entre as pessoas não anda tão boa assim. Não há um contato adequado entre os
pais de Alex se pensarmos no bem-estar da criança. Ana encontra nas redes
sociais uma repercussão mais imediata e enfática do que na embaraçosa relação
com Davi, que se vê conduzido pela situação já deflagrada por ela nas conversas
on-line.
A vida digital se transforma em um
repositório de imagens e interesses de cada pessoa e pode ser pesquisada para
se saber a “verdade” sobre elas. Quais os contatos de Rubens e quais
associações podem ser feitas? A identidade virtual da pessoa pode ser cruzada
com as suas declarações privadas e um perfil para julgamento público é tecido.
Rubens mostra a outro professor (Gustavo Falcão) a foto de uma menina de 12
anos no celular entre os seus contatos. Faz comentários que são ficções sobre
os seus desejos, mas nenhuma narrativa comprometedora a respeito da sua
conduta. Termina comprometendo-se aos olhos do seu colega.
Rubens é um jovem professor, 33 anos, muito
popular entre seus alunos. Namora uma menina de 19 anos (Luisa Arraes), que vai
apoiá-lo sem ressalvas. Uma ex-aluna? Uma característica do seu relacionamento
com as crianças e jovens alunos é o contato mais envolvente fisicamente. Está
sempre tocando seus corpos. Davi pergunta à diretora do clube (Malu Galli) se
Rubens não é gay. Está à procura do motivo do beijo, que poderia ser explicado
pela sexualidade de Rubens. A diretora diz estranhar a acusação afirmando que
se trata, na verdade, do seu professor mais querido.
O grande acerto do roteiro é não dirigir a
dúvida sobre o que aconteceu para uma revelação final. As informações que o
espectador recebe são “inconclusivas”. Dependendo dos valores e princípios que
já estão conosco quando chegamos ao cinema, a sentença de Rubens já está dada
de antemão. A beleza de Aos Teus Olhos está exatamente em suspender a
investigação sobre o que afinal aconteceu. Rubens beijou seu aluno na boca ou
no rosto como ele admite? Terminamos o filme sem saber. No lugar, o filme nos
dá outra questão. Como a virtual culpabilidade de Rubens é imaginada na nossa
cultura?
A narrativa que nos leva à dúvida é incômoda,
mas é oportuna, inclusive, para os que são educadores. Nos meus anos de
magistério encontrei as mais diferentes formas de relacionamento entre
professores e alunos, entre a impessoalidade quase absoluta e modos mais
efusivos de contato. A personalidade, que pode ser mais ou menos espontânea,
mais ou menos calculada, é um elemento constante do encontro entre os
personagens “professor” e “aluno”. Particularmente, não creio na existência de
um ideal a ser atingido aqui senão aquilo que indica o bom senso.
O que merece a nossa atenção hoje é a
pretensão, que parte de segmentos bem identificáveis da sociedade, não apenas
conservadores, mas abertamente reacionários, que desejam impor ao magistério
modos de ser professor e até a definição sobre o que deve ou não ser matéria da
educação, que constrangem o nosso trabalho com a finalidade de um controle que
contradiz o caráter aberto da cultura contemporânea à todas as indagações sobre
o humano. Limites forçados à educação nunca é bom porque cultiva a falsidade e
a dissimulação.
No filme Davi até busca conversar com seu
filho sobre o que aconteceu, mas está claro que se trata de uma conversa por
algum motivo interdita. Apesar das “mídias sociais”, quem sabe, talvez em razão
delas também, existe uma crescente zona inexplorada de correspondências entre
as pessoas que emergem sintomaticamente. Reprimidos, buscamos recalcar tudo que
aflora e interpela as formas de sociabilidade prescritas. Um silenciamento
letal, para muitos de nós, como os professores. O que será do ensino sem a
disponibilidade da proximidade mais afável?
*
*
Título: Aos Teus Olhos
Direção: Carolina Jabor
País: Brasil
Ano: 2017
Comentários
Postar um comentário