Luta de Classes
Assisti agora ao filme Luta de
Classes (2019), de Michel Leclerc. Antes de tudo, quero dizer que o filme é
bastante engraçado, as pessoas riem bastante durante a exibição. As identidades
vistas com toda a seriedade, podem parecer bem absurdas. Algumas gags no filme são
provocadas assim, através do que pode aparecer como o ridículo das identidades.
Aqui a comédia é um dispositivo para uma abertura: conseguir se aproximar de um
tema que, na verdade, é um dos mais enraivecidos do nosso tempo. Luta de
Classes nos dá uma imagem dessa alta voltagem na escola francesa.
Há uma família protagonista: Paul
(Edouard Baer), o pai, é baterista profissional, músico de uma antiga banda
punk, Amadeus 77. Sofia (Leïla Bekhti),
a mãe, é uma advogada de origem árabe. Um casal de filhos: Sofia é madrasta da
garota. As duas estão sempre em conflito. O garoto é Corentin (Tom Levy) e é
principalmente através da sua vivência escolar que a narrativa se desenvolve.
Estuda em uma escola pública que abriga cada vez mais filhos de imigrantes.
Dois casais, amigos da família, tiram seus filhos da escola e matriculam em um
estabelecimento privado e da Igreja Católica. Paul e Sofia ficam decepcionados
em razão da visão de mundo que partilham.
Corentin terá a sua experiência
escolar afetada pela repentina ausência dos amigos que pertencem a famílias
culturalmente mais próximas da sua experiência social. O contato com seus
outros amigos da escola, que são filhos de imigrantes, será marcado por tensões
que preocupam os pais. É o caso quando chega em casa dizendo que todos na
classe acreditam em Deus e que ele precisará fazê-lo também. Os pais passam a
temer pelo bem-estar e integridade do filho na escola. Seu pai é mais indignado,
indagando também a respeito de uma inversão de valores na escola pública
republicana.
Uma personagem bastante afetada pela
presença de novos sujeitos na escola é a professora Delamarre (Baya Kasmi). Ela
tem todos os receios de não ser politicamente correta no tratamento dos alunos
e na busca de um modo apropriado para referir-se à identidade cultural sem
ferir suscetibilidades. Adota, na verdade, uma forma ininteligível de
comunicação. O diretor da escola,
Bensallah (Ramzy Bedia), em contraste, é bem direto e age sem razoabilidade
pedagógica. O que vai se constituindo na narrativa do filme é a perda de
referências para a escola diante da presença de novos sujeitos.
Luta de Classes é um filme bastante
interessante exatamente porque tece seus personagens em uma trama em que todos
os conceitos envolvidos não parecem muito seguros para determinar os caminhos
para uma sociedade multicultural realmente democrática. Há uma cena em que os sobreviventes
músicos de Amadeus 77 tocam para uma plateia sem interesse, formada por imigrantes
sem teto. Há uma pretensão de radicalismo político que não consegue tocá-los,
quando o desejável era oferecer uma visão crítica da sociedade francesa e das
suas exclusões. Perguntamos, então: Qual política influencia hoje os excluídos?
Os personagens de Luta de Classes
vivem em uma situação cética devido aos desvios pós-modernos que sofrem.
Sofia, no trabalho, recebe uma promoção porque parece interessante para o
escritório uma advogada de origem árabe atuando em algumas causas. A situação é
desconcertante para ela. Paulo tem um trabalho intermitente e por isso é quem
está mais presente na escola do filho. Ao lado das mães dos outros alunos, vive
com desconforto a situação de gênero “invertida”. Luta de Classes provoca
um pensamento sobre o próprio destino das instituições formadas pelo tripé do
mundo moderno, inclusive a escola: o eurocentrismo, a branquidade e o falocentrismo.
Estamos diante de uma nova formação
cultural, globalizada, que precisa de conceitos e práticas também renovados para
enfrentar seus desafios. O próprio título do filme remete a uma ambiguidade:
Qual luta de classes? Paul, de forma imprevisível e aflitiva, conhece o
ex-namorado de Sofia. Ele é pai de uma menina da mesma turma de Corentin. Uma
família muçulmana. Ele revela para Paul que, sob condições modestas de existência,
não tem alternativas à escola pública. Por
princípio político, tampouco Paul gostaria de deixar a escola pública. Quais
sentidos poderiam aproximar de modo mais garantido as diferenças, saindo dos
impasses que agora abrigam o encontro cultural?
O cinema é uma das vozes do mundo
contemporâneo. Ele também nos fala, mas seu alcance é bastante seletivo. Nas
salas de cinema dos shoppings, assistimos no Brasil todo, basicamente, o mesmo
filme. Por outro lado, para assistir Luta de Classes, precisei me
deslocar entre a zona norte e a zona sul da cidade do Rio de Janeiro. Minhas
alunas de Pedagogia, na UFRRJ, sequer vão ter notícias do filme, uma obra
audiovisual muito interessante para as nossas aulas de Teoria do Currículo e
Estudos Culturais. A luta de classes ainda é um conceito válido, mas precisamos
pensar se sabemos reconhecer todos os seus territórios – essa é a questão
contemporânea que nos coloca à prova.
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Os fotogramas que utilizei foram
extraídos do trailer do filme.
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Título: Luta de Classes
Título Original: La Lutte des
Classes
Direção: Michel Leclerc
País: França
Ano: 2019
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