O Orgulho
O cinema é uma
das vozes da educação. Com ele ampliamos nossas interlocuções como educadores. Assistir
a um “filme de escola” é uma formação que realizamos através do audiovisual. De
um modo geral, o cinema é ele mesmo uma pedagogia
da imagem. E como qualquer outro processo formativo, não somos meros
espectadores, tudo submetemos a alguma crítica.
Olhar é uma
ação mais do que uma passiva recepção. Se vamos ao cinema assistir a um filme,
a menos que a película nos faça dormir, a ancestral atração pelas imagens é uma
fantasia que realizamos a partir do instante em que nos sentamos e saímos da
escuridão absoluta quando a tela acende. Como qualquer cinéfilo, como
professores estamos condenados a uma vida entre luzes e sombras também. Ir à sala
de cinema nos ajuda a lidar com a penumbra da sala de aula.
Neïla Salah
(Camélia Jordana) é uma jovem parisiense, de origem árabe e moradora da
periferia. No primeiro dia de aula no curso de Direito, na Université Paris II,
Neïla entra na sala de aula com cinco minutos de atraso e encontra um auditório
repleto de alunos com Macbooks e o professor lecionando com o apoio de um
microfone. No trem, Neïla com seu headphone e música pop, inspira uma sintonia
com o seu tempo. Já Pierre Mazard (Daniel Auteuil) é um professor afetado por
ideais mais conservadores e o pior acontece.
Neïla é
surpreendida pela abordagem do professor, basicamente racista. Ocorre que tudo
que disse foi registrado pelo celular dos alunos. O episódio transforma-se em
uma queixa dirigida à Mazard na instituição. Ele será submetido a um
procedimento avaliativo sobre a sua conduta como professor. Difícil livrar-se
de uma punição definitiva. O presidente da universidade receita uma saída apoiando-se
em Neïla. Ela seria a sua “retratação”. Como?
A jovem aluna
de origem árabe tem ambições, sonho de alcançar resultados apesar das
contrariedades, comuns à vida dos seus amigos do bairro. Entre eles, o jovem
Mounir (Yasin Houicha), que é apaixonado por ela e depois será seu namorado.
Neïla declara sempre querer mais para a sua vida. Mounir é motorista Uber. Neïla
inscreve-se, então, em um concurso de retórica entre estudantes de várias
universidades. A saída imaginada: Neïla seria preparada por Mazard e a
aplicação do professor seria a sua própria “retratação” na universidade.
Apesar da desconfiança
inicial, Neïla é convencida pelo professor e começa a orientação com ele. O
contato, apesar de difícil em muitas oportunidades, permite uma cumplicidade e
ela progride até o final do concurso. Ocorre que um colega de classe conta para
ela o que sabe sobre a trama e a situação fica crítica. Neïla decide não
participar da final para não promover a retratação de Mazard. Agora ele está
sem alternativas no julgamento diante do conselho nomeado para avaliar o
professor.
Bem, sobre o
desenlace da história, chega de spoiler. O filme ainda está em cartaz na
Estação Net Rio, em Botafogo, na cidade do Rio de Janeiro.
Gostaria, no
entanto, de aproveitar o filme para uma conversa sobre a vida escolar nos dias
de hoje. Agora a sala de aula é um espaço aberto a correspondências e
publicidades outrora mais remotas. O que estamos fazendo agora na sala de aula
antes mesmo do professor cruzar a porta para ir embora da escola já é de
conhecimento de pessoas que estão a diferentes distâncias do lugar. As redes
sociais permitem a circulação instantânea de mensagens escritas e de vídeos.
Mazard deixou
o poder do seu card ser consumido
quando foi filmado pelos alunos e aparece nas redes sociais declarando seu
racismo. Como poderia não imaginar que ao ofender uma aluna isso poderia ser
gravado? Evidentemente, de um modo geral, os jovens usam muito mais as
oportunidades tecnológicas do seu tempo e assim viraram o jogo contra um
professor racista. O filme não acentua muito a questão de como Mazard se viu
vulnerável. Penso que o filme procura sobretudo uma abordagem para o problema
mútuo da convivência multicultural.
Mesmo sem constituir
sua questão principal, o problema dos usos da cibercultura no espaço escolar é
uma abordagem interessante para ser explorada a partir do filme, afinal, é aí
que o professor se depara com o esgotamento do seu poder de jogador na sala de
aula. Foi aí que Mazard caiu. E mais, na verdade, há uma relação entre o mundo
das novas tecnologias digitais e as sociedades multiculturais. É possível puxar
o fio da meada da nossa época através da internet também.
O que chamamos
globalização é uma experiência cotidiana. Ainda que de forma imperfeita,
orientada pelo poder (e desorientada pelas pessoas), estamos em uma rede global
de contatos, encontros e contaminações. São ocorrências que ativam os modos
identidade e diferença na vida ordinária. O respeito à diferença faz parte da
convivência do comum na arquitetura
mundializada da comunicação e da troca. É claro que para os poderes tudo isso
precisa ser regulado para não escapar dos controles.
O racismo
atual é um dos mecanismos de controle em uma sociedade global multicultural.
Pensando na contemporaneidade de Neïla e no reacionarismo de Mazard, precisamos
todos intensificar a experiência radical do contato. Essa é a saída honesta
para o problema vivido pelo professor Mazard no filme. A contrapelo é o que termina
acontecendo enquanto executa o indigno plano de ”retratação”. Exagerando um pouco, hoje a sala de aula é
intergaláctica. Liguem todos os instrumentos de contato, só assim uma aula
continuará sendo uma aula de verdade.
*
Título Original: Le Brio
Direção: Yvan Atall
País: FRA/BEL
Ano: 2017
Classificação indicativa: Livre
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