Qual o vírus mental do ministro Weintraub? Como se proteger dele?
Aqueles que podem, estão
praticando o distanciamento social, trabalhando em casa ou simplesmente
esperando. Muitas outras pessoas estão expostas ao contágio do coronavírus ao
longo do dia, no trabalho ou no transporte público. Com o que já sabemos sobre
a pandemia e como já afetou e vem atingindo outros países, há o receio de que
por aqui tudo poderá ser ainda muito pior. As informações sobre como não ser
contaminado estão na TV, mas parecem mais oportunas para as classes médias em
um país em que as condições de habitação e vida das classes populares são caracteristicamente
precárias e vulneráveis. Qual será a sorte dos mais pobres diante da capacidade
do sistema de saúde hoje disponível para lidar com a pandemia?
É nesse contexto de angústia e
riscos que já abateram algumas vítimas, que o ministro da educação resolve
aparecer, não para nos orientar de forma cívica e responsável. Weintraub, sem
qualquer comoção e solidária compaixão, voltou com força às guerras culturais, neste
último domingo, particularmente para atacar as “áreas humanas”, buscando
explorar exatamente o estado emocional de uma população agora preocupada com as
suas chances de sobrevivência, se for preciso algum atendimento médico e
hospitalar. Weintraub é um homem sem princípios, sem valor, está claro. No
entanto, ocupa o cargo de Ministro da Educação. O que diz tem função política e
deve ser examinado e discutido.
Ainda que suas comunicações se
apresentem como estúpidas, (des)orientadas pelas muitas deficiências que
demonstra possuir, elas expressam a concepção e a prática do governo para o
campo institucional da educação. Posicionam o governo diante de uma comunidade
nacional de educadores e educandos, gestores e usuários das redes de ensino, da
Educação Básica ao Ensino Superior. Sua postura e ideologia não devem ser
ignoradas. Pelo contrário, precisam ser observadas e analisadas. Vou tecer aqui
algumas considerações sobre o twitte de Weintraub e vou fazê-lo de um lugar que
preciso demarcar. Trabalho no ensino superior, na graduação em Pedagogia e na
pós-graduação em Educação, na UFRRJ – Universidade Federal Rural do Rio de
Janeiro, na Baixada Fluminense.
Weintraub digitou: “Eu acuso a
esquerda de priorizar faculdades de antropologia ou filosofia ao invés de
medicina ou enfermagem (...). Agora faltarão leitos nos hospitais, médicos,
enfermeiros...”. Na imagem, apresenta fragmento de uma notícia de jornal que
contém o seguinte título: “Bolsonaro diz que MEC estuda tirar dinheiro de áreas
de humanas”. Senti uma raiva instantânea quando li. Weintraub aproveita-se de
uma pandemia, que naturalmente mobiliza um grande contingente de profissionais médicos
e de enfermagem, para retornar ao tema da suposta menor importância da área de
humanas diante de outras áreas, no caso comparada ao campo das ciências da
saúde.
Não é propriamente um debate o
que Weintraub suscita. Trata-se pura e simplesmente de uma depreciação da área
de conhecimento de humanas. Não há qualquer discussão teoricamente informada ou
de clareza evidente na comunicação do ministro. Pelo contrário, Weintraub diz o
que pensa de forma intelectualmente descuidada e se expressa de modo odioso,
através do deboche e da ameaça. Enfim, não se trata de um ponto de vista para
ser admitido como uma abordagem válida. Weintraub nunca é respeitável.
Deveríamos, portanto, nos perguntar, afinal, qual o vírus mental do ministro da
educação? O que precisamos realmente identificar de necessário nos insultos
lançados por ele?
Weintraub é um dos ministros mais
bizarros de Bolsonaro. Sua presença no governo é uma identidade das práticas
dos populistas de direita que se espalharam por muitos países antes do coronavírus.
Se prestarmos bem a atenção em Weintraub, ele é um deficiente intelectual sim,
assim como é Bolsonaro, mas tantos outros políticos que emergiram das urnas
mais recentemente. Sempre existiram, mas agora se multiplicaram. Vivemos uma
saturação dos discursos políticos tradicionais, que dividiam, contudo, mesmo na
disputa eleitoral, uma determinada correspondência narrativa. Mas tudo isso
derreteu. Quando Weintraub diz algo, não acreditamos ser possível. A sensação é
de que não estamos vivendo em mundo comum. Experimentamos uma irrealidade.
Weintraub, com toda a sua
bobeira, possui, no entanto, uma coerência interna no seu discurso que não pode
nos escapar. Não compreender como Weintraub opera com a linguagem tem o custo
de ignorarmos o que ele está efetivamente fazendo conosco quando atua, seja
através das redes sociais, seja através das suas ações no ministério. O que vejo?
Simultaneamente, Weintraub busca um efeito de paralisação e outro de
velocidade. É essa trama da linguagem dos populistas de direita que estamos
conhecendo e precisamos aprender a lidar. Ler ou ouvir Weintraub nos coloca
diante de uma performance que resulta em um impacto intelectualmente
paralisante e ao mesmo tempo de intensa propagação através da contaminação
digital.
Como intelectuais, na universidade,
mas também em outros espaços formativos, participamos de uma rede de
conhecimentos em que partilhamos alguns códigos de validação dos discursos, de
tal modo que mesmo diante da mais intensa divergência, é possível algum contato,
alguma comunicação. Se alguém discorda de algo, pode escrever um texto
divergindo ou repercutir em algum grupo ou mídia. A polêmica que se segue
pressupõe, de todo modo, a existência de fundamentos que podem ser
identificados durante a elaboração do trabalho crítico. Ou seja, é possível rejeitar
as abordagens absolutamente aleatórias, “sem fundamento”. Habita-se, mesmo que de modo imperfeito, um
território de pensamento, minimamente comum, que seja.
Quando nos deparamos com o
referido twitte, logo observamos que Weintraub produz um efeito de
atordoamento. Pensamos: “Como assim?”. O fato é que não encontramos nenhuma
concepção satisfatória, válida para uma rede legítima de conhecimentos nele. Não
existe razão de qualquer natureza aceitável para dizer que um erro de
prioridades acadêmicas agora vai nos arrastar para um desastre. Não encontramos
no twitte nada que evidencie de forma embasada sobre uma carência universitária
agora, que poderíamos responsabilizar uma área de conhecimento por um virtual
caos do sistema de saúde. Bolsonaro é a sua fonte? Então, qual o motivo de tal postagem do
ministro da educação?
Quando o twitte parte da admissão
que algo de grande comoção ocorrerá, atinge exatamente o que pretende, um
desequilíbrio emocional instantâneo: “faltarão leitos”. Trata-se de um efeito
particularmente possível através do modo como trocamos mensagens no ciberespaço
das redes sociais. Uma sucessão de correspondências que acessamos praticamente
sem limites, infinitamente até, diante da nossa capacidade de apreensão,
mobiliza nossa atenção de forma compulsória, excitando nossas reações mais
primárias, porque o ato mais refletido do pensamento solicita um tempo de
maturidade. Por isso a minha própria raiva ao ler o twitte de Weintraub. É inescapável se nos entregarmos ao consumo
compulsivo das redes sociais.
Para a lógica (sim, ela existe)
dos populistas de direita, não existe a necessidade de obter uma concordância
amplamente expressiva. Interessante. Para eles, o que importa mesmo é a
polarização, ou seja, acender a faísca que levará o fogo para todos os lados.
Ela incendiará adeptos e adversários. O pretendido é que todos reajam
alucinadamente. Não importa a conclusão de que isso já foi feito antes, que não
é inédito como uma prática maliciosa da comunicação. Faz parte da cultura
política fascista. O fato é que hoje pode alcançar um efeito de contaminação
muito mais controlado pelo emissor e em uma velocidade inédita. Big data e
mobilidade umbíqua casam-se para isso: Algoritmos e um celular nas mãos.
O importante do twitte de
Weintraub não é observar a falta de uma razão intelectual nele. Isso acontecerá
sempre quando envolver um político populista de direita. Mas é essa sentida ausência, para a qual
ainda não fomos adequadamente educados, que vai nos desorganizar mentalmente e
provocar a reação programada pelo emissor da mensagem: Propagamos o próprio twitte.
Inevitável, mas precisamos entrar mais nessa trama para controlar melhor o seu
significado. Se o ministro da educação publica uma besteira, ela repercute.
Você não é culpado por não deixar morrer absolutamente a mensagem, você irá repassar
em algum instante. Não há quarentena para isso, protegida da própria
comunicação humana.
No entanto, precisamos “ganhar
tempo”, achatar a curva de contaminação daquilo que chamamos “pós-verdade”. Para
isso, nossa leitura de mundo, que é bastante tocada diariamente por mensagens
como a produzida por Weintraub, não pode ser apenas contaminada pela reação
paralisante da emoção. E mesmo que isso aconteça, “ganhar tempo” para recuperarmos
a capacidade analítica, necessária para tecer outras narrativas, também
eficazes, mas contra fake news e outras “cortinas de fumaça” que nublam o
olhar, que embaçam a nossa capacidade de sentir e pensar o nosso tempo e as
nossas coisas de forma mais discernida e crítica.
A “área de humanas” é declarada
inimiga dos populistas de direita porque representa concretamente essa ameaça de
uma educação que pensa o nosso lugar no mundo, investigando e indagando a
respeito de como a nossa existência é socialmente constituída e até,
poeticamente movida pelo gosto da liberdade. Evidentemente, os saberes de
diferentes áreas de conhecimento se tocam e são contagiadas também. Mover
guerra cultural contra a área de humanas é tanto pretender sua contração e
silenciamento como desidratar as demais áreas de conhecimento da presença de
uma preocupação política e social a respeito da leitura de mundo que também
fazem.
O vírus mental de Weintraub faz
parte da ecologia política do capitalismo tardio. A globalização atual tem
proporcionado uma desconstrução das identidades fixadas e um abalo nas visões
de mundo orientadas pela tradição e origem. Como disseram Marx e Engels, “tudo
que era sólido desmancha no ar”. Frase do século XIX, mas continuamente
atualizada pelo próprio capitalismo. As guerras culturais são fundamentalistas,
negacionistas do contato, da contaminação e hibridização. Convocado, o praticante
da pós-verdade – Weintraub é um deles – é o soldado que deve impor o silêncio
do pensamento único. A “área de humanas” rebela-se.
Ótima reflexão sobre a anti reflexão weintraubiana! Repassando.
ResponderExcluirObrigada pelo texto, excelente! Já compartilhando!
ResponderExcluir