Madonna featuring Paulo Freire
O ano é 2024. Paulo Freire é visto em um
show da Madonna na praia de Copacabana, no Rio de Janeiro. Um registro icônico que foi parar no Instagram,
viralizando. Ao lado de outras personalidades também em destaque, a imagem de
Paulo Freire pareceu política e corretamente ali incluída no show de uma
artista tantas vezes vista como disruptiva. No entanto, uma aparição que não
deixou de provocar algumas perguntas sobre o motivo da lembrança. Foi uma
inclusão legítima ou apenas comercial, em um show contratado por milhões de
dólares? Não pretendo discutir aqui a autenticidade de Madonna ou dos seus fãs.
Se morasse em Copacabana, ou mesmo próximo ao bairro, acredito que eu teria me animado
em assistir no local toda a grandiosidade do evento.
Desse modo, não tenho interesse algum em julgar a artista ou seu público. Ainda assim, como pesquisador da obra do Paulo Freire, gostaria de discutir algo que me parece importante hoje, quando tentamos compreender como as redes sociais estão atuando sobre as nossas vidas, interferindo em nossos afetos, capturando até a nossa curiosidade. O nome é economia da atenção. Diante do excesso de informação disponível, nossa atenção precisa ser enganchada para que toda comunicação seja possível. Caso contrário, nossa atenção percorre os conteúdos produzidos sem se deter suficientemente em nada, frustrando quem está tentando fazer que algo nos sensibilize para ser visto mais demoradamente.
No caso dos artistas, para a manter a relevância das suas criações nas mídias dominantes - as redes sociais - o que fazem não basta para serem reconhecidos pelo público presente em um espetáculo. Mesmo que tenha mais de um milhão e meio de espectadores, como um show ao vivo em uma praia. É necessário que exista uma repercussão imediata e durável, que continue sendo visto e comentado o maior tempo possível para alcançar um impacto proporcional ao investimento de todos os atores envolvidos na promoção do evento. Investimento econômico, mas também político, em muitos casos. Madonna não estava promovendo apenas suas músicas e valores, mas também um banco, uma marca e um prefeito.
Como Paulo Freire é convidado, então, para o show da Madonna? Mesmo após a sua partida, Paulo Freire é uma personalidade da vida pública brasileira cujo significado é disputado politicamente. Lembrar sua existência tem algo de positivo, mas estamos falando de um personagem cuja citação costuma repartir preferências, a favor ou contra. Imediatamente sua imagem produz reações automáticas, ideal para likes, dislikes e memes. Paulo Freire é instagramável porque facilmente assinala a suposta visão de mundo de quem compartilha sua imagem, engajando reações, mesmo que contrárias. Pessoas de esquerda, de direita ou extrema direita compartilham Paulo Freire porque há a garantia de que mobilizará comentários.
Para a economia da atenção, a imagem de Paulo Freire proporciona muitas visualizações e avaliações, não importa o espectro político. Pessoas de esquerda também usam Paulo Freire para mobilizar suas redes sociais, nem sempre pessoas que leram e conhecem sua obra. Participando de bancas de pós-graduação e observando como Paulo Freire tem sido tantas vezes publicamente lembrado, vejo que muitas pessoas estão trocando a difícil tarefa de estudar o autor para citá-lo porque leram alguma frase dele que parece boa, em uma rede social. Já tive a oportunidade de verificar: algumas dessas frases são falsas. Há quem até invente uma referência inexistente que outras pessoas vão utilizar em seus trabalhos de conclusão de curso, dissertações, teses ou em artigos publicados em periódicos.
O dever da educação brasileira de conhecer Paulo Freire não combina com a economia da atenção como uma busca incansável por aprovação nas redes sociais ou em seus trabalhos acadêmicos. Nosso engajamento deveria ser outro.
#PauloFreire
#EducaçãoBrasileira
#EconomiaDaAtenção
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