A arte: conversas imaginárias com a minha mãe
Imagens para uma conversa sobre
imagens. Conversa com a sua mãe e também com seus leitores. Imagens no lugar da
comum diagramação da escrita nos livros que discutem a arte. Também não existem
ilustrações, mas desenhos, história em quadrinhos e a impressão de letras
manuscritas. Assim é o livro de Juanjo Saéz sobre o que é arte.
Na verdade, não se trata de um
livro que pretende definir o que é a arte, à moda dos intelectuais, mas uma
publicação que discute características do que chamamos arte, sobretudo, aquela
outorgada pelos museus e “especialistas de arte”, enquanto propõe uma concepção
mais ampla, que contenha realizações mais ordinárias e comuns.
Sem ressentimentos, Juanjo
apresenta rápidos perfis de artistas e movimentos. Até manifesta suas
preferências. Mas, principalmente, com uma boa dose de acidez, problematiza os
espaços e as práticas da arte outorgada pelo mercado, mas também pelos
intelectuais que elaboram concepções aristocráticas e excludentes.
Logo no início do seu trabalho
faz uma boa sátira ao Guggenheim Bilbao, comparando-o com as catedrais góticas.
Enquanto a arquitetura medieval elevava sua altura para o enlevo de Deus, agora
se trata de “crer na arte”, elevada também a uma condição sobrenatural. Páginas
adiante, Juanjo dirá: “Mamãe, a arte é um tesouro que nos roubaram”.
A conversa de Juanjo com sua mãe
é uma interessante forma de diálogo com o próprio leitor. Sua mãe não conhece arte e a conversa imaginária é
assim também dirigida a esse outro personagem imaginário que é o leitor, que
provavelmente também se sente sem maiores conhecimentos sobre assunto tão
sofisticado.
Juanjo propõe ver a arte não
apenas nos seus santuários, os museus, mas também no varejo da existência. Arte
é criação de qualquer artista e fruição de qualquer pessoa também. Não deixa de
ser uma experiência peculiar, contudo. Engrandece a vida, mas no sentido de
fazer do viver uma intensidade, sem ser uma raridade, contudo, apenas para
pessoas incomuns.
Se a conversa proposta pelo autor
é o recurso de um encontro imaginado, muito tangível é a reflexão que propõe.
Atual, a concepção de arte que Juanjo desenvolve com seus desenhos e prosa
coloquial não é apenas apropriada para um público mais diverso. Mais do que isso,
é também um diálogo, no tecido mesmo da arte, com as realizações estéticas do
nosso tempo.
Se a arte legitimada produz um
circuito favorável para os negócios, sua mercantilização não é o agenciamento
mais pungente na contemporaneidade. O desfrute da arte é um desenvolvimento
cotidiano dos sentidos, uma “humanização popular” que beneficia a espécie sem
distinguir os mais competentes para partilhar dessa riqueza.
Os desenhos de Juanjo no livro fazem
parte da sua própria concepção da arte. Traços, visualidades e ideias que
formam uma narrativa feita de imagens. Há uma determinada insuficiência nas
suas figuras, propositais, que expressam as capacidades figurativas da
comunicação desenhada. Não necessidade de virtuose, de “desenhar bem”, mas ser
tocante.
Ao reproduzir um tríptico de Joan
Miró, ele diz: “as pinturas são mais ou menos assim”. Ou então, “tentativa de
retrato de Calder. Não era chinês, é que saiu errado”. Seus textos manuscritos
são cheios de palavras rabiscadas, sugerindo erros contínuos. Suas figuras
humanas não têm detalhes nos rostos, estão sempre “incompletas”.
Em uma época repleta de tramas
visuais e tessituras de significações que ultrapassam os enredos da palavra
escrita, Juanjo guia nossa “visão” para o reconhecimento da recorrência das manifestações
artísticas na fartura da vida cotidiana. O privilégio da arte é a sua partilha.
É possível abordá-la sem o receio da falta de atributos.
Antes de tudo, a arte se
desenrola com a existência, se foi parar em museus ou nas mãos de especialistas,
isso é suspeito. Se a arte é desconcertante, isso se deve simplesmente à sua
capacidade de nos desacomodar, propondo outras visões para o que chamamos de
“realidade”. A arte não fixa, ela (co)move. Movimenta nossa expectação da vida,
contribuindo para uma existência vivaz.
Juanjo
pode ser encontrado no facebook.
Juanjo Sáez
A arte: conversas
imaginárias com a minha mãe
São Paulo
Martins Fontes
2013
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