“Vamos falar sobre ele?”
Ao me deparar com a capa da
última edição da Nova Escola,
através do facebook, fiquei animado para conferir a revista. A publicação se
caracteriza por uma linha editorial em nada avançada sobre a educação. No
entanto, a capa chama atenção pela relevância do tema na atualidade, assunto que
já reúne muitos interessados no país, mas também muita resistência de setores
mais reacionários da sociedade brasileira. Diante da emergência da questão,
educadores são assediados, por exemplo, por determinadas correntes religiosas
para evitar sua abordagem de forma esclarecida e política.
A partir dos meus interesses, no
campo dos estudos sobre imagens, resolvi me deter principalmente na capa da
publicação. Qual a pedagogia dessa capa? Para uma publicação vendida nas bancas
e com significativa visibilidade nas redes sociais, sua capa tem um importante
alcance comunicativo, informando sobre o conteúdo, mas também tecendo
significações, educando. Inclusive,
não é incomum a capa constituir a única referência sobre uma repostagem, que sequer
será lida. Portanto, trata-se de uma mensagem com relativa autonomia, diante do
seu alcance.
Logo que vi a revista com o
menino vestindo um vestido, pensei: “essa é uma capa história para a Nova Escola”.
Acostumado com o tipo de polêmica que a abordagem mobiliza, mesmo entre
educadores, imediatamente fiquei entusiasmado com a franca exposição de uma
questão a propósito de identidade sexual narrada na direção contrária das definições de
gênero. Pensei, “isso é um avanço”. Minha
vida em cor-de-rosa (1997), filme de Alain Berliner, é uma abordagem
cinematográfica que apresenta o enredo que geralmente envolve a vida de quem “nasce”
menino e gostaria de ser menina, enfrentando repressão por isso.
Na revista, com o retrato do
garoto, há um texto em destaque compondo a imagem: “Vamos falar sobre ele?”. Ao
prestar atenção na pergunta que a revista dirige ao leitor, inescapável outra
pergunta, por que “falar sobre ele”?
Não seria mais apropriado “falar sobre ela”?
Afinal, não é essa mesma a questão, o menino não deseja ser menina? Entendo a
dificuldade que cerca a questão, no campo da educação não estamos acostumados a
dialogar de forma tão direta com o assunto. Imediatamente fui constatando,
apesar da coragem diante do assunto, os embaraços da própria revista.
Com destaque menor, outra
pergunta, também insegura: “Como lidar com um aluno que se veste assim?” Esse
“como lidar” não deixa dúvidas sobre a dificuldade para desenvolver a
abordagem. Lidar é um verbo que
traduz ações de grande desgaste: duelar, suportar, batalhar e até tourear (Dicionário
Houaiss, versão eletrônica). “Lidamos” com conflitos. A questão embaraçosa é a
seguinte: Quem ou o que produz esse desgaste? A pergunta não Indica que se
trata de uma coação social que também oprime o educador. O texto diz “lidar com
o aluno”. O garoto ao desejar ser menina cria um problema para quem educa. É o
que a pergunta da revista sugere.
E finalmente, identidade estrangeira dx meninx, Romeo Clarke, revela também a hesitação da revista, que a impede de avançar, na sua capa, com o desafio educacional que propõe. Trata-se de umx garotx britânicx. Por que colocar na capa de uma publicação brasileira alguém tão distante? Não temos personagens vivendo aqui também as dificuldades e violências promovidas diante de “ousadia” de um menino querer ser menina? A reportagem apresenta três outros episódios, com fotografias das pessoas envolvidas, no interior da revista. Fiquei me perguntando sobre o motivo para uma dessas fotos não ilustrar a capa, precisando de uma imagem tão remota diante do que já é uma questão educativa relevante no Brasil também.
Diante dos receios da Nova Escola
na montagem da sua capa para uma edição que desperta para um assunto emergente
e relevante na educação brasileira, entre o retrato ousado do menino –
ainda que “estrangeiro” – que se presentifica
como menina e as indagações que recuam na apresentação da sua existência – como
lidar com ele? -, Romeu nos fita, em silêncio. É a revista que fala por ele.
É a sua figura mesmo, no entanto, quem melhor interpela quem somos também como
educadorxs. O que a imagem de Romeu, solitária e distante, nos ensina a
contrapelo dos nossos saberes?
Sobre a reportagem, é boa e de interesse para educadores.
Merece ser lida. No site da revista há
um também um link para o material Escola Sem Homofobia, que foi vetado pelo governo federal depois de ser citado por
setores conservadores como “kit gay”.
NOVA ESCOLA. São Paulo. Ano 30.
N. 279. fev. 2015.
Este comentário foi removido pelo autor.
ResponderExcluirVamos falar sobre David Reimer? Aquele rapaz que se suicidou devido a ideologia de gênero.
ResponderExcluirhttp://www.polbr.med.br/ano04/psi0604.php