Educação
O audiovisual
não raramente foi considerado uma mídia pedagógica no país, seja para fins
instrutivos ou políticos. No entanto, nosso cinema, ao longo de sua história,
não se interessou muito em interpelar e discutir a própria educação nacional,
como já assinalei algumas vezes aqui no blog. Mas é uma realidade que está se
transformado. Um bom exemplo é Educação (2017), de Isaac Pipano e Cezar Migliorin.
Educação tem o selo do Kumã –
Laboratório de Pesquisa e Experimentação em Imagem e Som/UFF e seus autores são
dois acadêmicos também. Um filme sobre educação, portanto, que tem uma autoria
da universidade. A educação brasileira está hoje em maior evidência entre as
muitas telas do audiovisual e um dos motivos é a própria amplitude da produção cinematográfica
agora. Existe uma diversidade maior de sujeitos implicados com o fazer cinema e
isso repercute na pluralidade mesmo dos temas e das abordagens.
O filme foi
exibido em um circuito formado por salas de cinema, espaços culturais e
universidades, inclusive com debates, enfatizando as implicações políticas da
sua realização. Educação pode ser
visto agora através da plataforma Vímeo com a senha (educacao2017) fornecida pelos próprios autores do filme. Foi assim que assisti. A versão
exibida tem legendas em espanhol. Os fotogramas que fiz para o post foram
extraídos dessa versão e terminei me apoiando nas legendas para interagir com a
escrita do meu texto.
Educação é uma investigação sobre os
interesses econômicos e políticos que cercam a educação brasileira, mas também a
respeito das resistências que emergem nas escolas, sobretudo aquelas feitas
pelos estudantes. Especificamente, uma pesquisa realizada com um farto material
de imagens veiculadas pelas mídias empresariais, canais institucionais e também
na internet, quando a produção muitas vezes acontece a contrapelo dos meios de comunicação
hegemônicos na TV.
Educação, portanto, não tem imagens feitas exclusivamente para o documentário. Sua
narrativa é construída através de uma montagem com material gravado já
disponível. Bem no início do filme, assistimos à tentativa de desocupação da
escola estadual Dr Clybas Pinto Ferra, em São Paulo, com destaque para a
presença de um oficial de justiça que procura informar aos alunos sobre a
reintegração de posse.
A tentativa de
desocupação da “Escola Clybas” tem uma centralidade no filme porque são suas
imagens que melhor presentificam a alta voltagem hoje na educação pública,
entre os interesses em disputa e os personagens envolvidos. Ao longo do filme,
outros personagens e instituições que agora concorrem pelos sentidos e valores da
educação brasileira são também apontados. Uma dessas personagens é Viviane
Senna, presidente do Instituto Ayrton Senna.
Contrariando
as vozes que de forma privilegiada articulam proveitos mais restritos em
relação à educação escolar, emergem as vozes dos estudantes, eloquentes e
marcadamente firmes sobre seus propósitos populares.
A disputa pela
educação brasileira não se dá exclusivamente através de um discurso
marcadamente econômico, de lucro, eficácia e resultados. O questionamento de
lideranças políticas evangélicas sobre o que nomearam de “kit homossexual”/”kit
gay” acusa as políticas democráticas de ensino de violação da integridade da
educação, que deve ser sobretudo uma orientação familiar, protegida das
invasões ideológicas.
Movimento como
o Escola Sem Partido também interpela as condições em que supostamente ocorrem
o ensino na sala de aula, através de uma abordagem que pretende intimidar e
silenciar os profissionais da educação.
A
militarização das escolas é apresentada como solução para os problemas de
disciplina escolar e dos valores mesmo da própria educação.
Contra tudo e
todos, um jovem “ocupa” pergunta para uma repórter da Globo, que está cobrindo
uma ocupação, afinal, o que ela sabe sobre o significado do movimento. O rápido
episódio é gravado, através de recursos muito inferiores àqueles que o
jornalismo profissional pode contar, mas tem também a sua eficácia, através das
possibilidades de comunicação da web.
Educação é um filme que se insere na discussão atual da educação brasileira, sobretudo expondo atores que disputam os caminhos da escolarização segundo seus interesses, referidos à acumulação capitalista e hegemonia política e cultural. Com ênfase, expõe também os grandes atores políticos jovens que nos cotidianos e em momento mais graves, como as ocupações realizadas pelos secundaristas, não apenas resistem, mas articulam outras concepções, mais democráticas, sobre a educação e a contemporaneidade da escola.
O audiovisual
começa o ocupar um importante espaço político entre as vozes da educação. É um
movimento importante que cada vez mais, acredito, se constitui como uma
interlocução válida a respeito da educação brasileira. Educação é muito eloquente sobre essa importância do cinema.
A interrogação
que eu deixaria sobre o filme é o papel que nele figura a oficial de justiça
Adriana. Sua presença é tecida de modo que me pareceu relativamente constrangedora
para a pessoa, indo além do que significa como personagem do enredo que é o
poder do Estado. Se tivesse oportunidade de debater o filme em uma das
oportunidades que foi exibido com conversas, eu teria perguntado sobre essa
questão.
*
Título: Educação
Direção: Isaac Pipano e Cezar Migliorin
País: BRA
Ano: 2017
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