Vocacional - Uma Aventura Humana


Agora que o presidente Bolsonaro lançou o Programa Nacional das Escolas Cívico-Militares, com a pretensão de abrir 216 unidades, é oportuno revisitar o documentário Vocacional – Uma Aventura Humana, de Toni Venturi, cineasta que dirigiu também Paulo Freire Contemporâneo, outro filme que já comentei aqui no blog.  Na década de 1960, na rede pública estadual de São Paulo, são criados ginásios experimentais de ensino vocacional, cuja existência e relevância pedagógica são mostradas no documentário de Toni Venturi. A ditadura militar interrompeu brutalmente a experiência.   


O projeto foi coordenado pela educadora Maria Nilde Mascelani até a sua extinção, em 1969. Perseguida pelo regime militar, Maria Nilde foi presa em 1974. Qual prática pedagógica poderia representar ameaça para os militares no poder? O documentário de Toni Venturi nos apresenta escolas muito diferentes daquelas que o presidente agora pretende disseminar no seu governo, através da militarização do ensino. Vocacional é o cinema construindo memória para discutir não apenas o passado da nossa escola, mas para discutir principalmente o mal-estar atual da educação brasileira e os caminhos autênticos para a sua valorização. 


Vocacional é realizado com depoimentos de ex-alunos e ex-professores, além do uso de registros em fotografia e filmes do período. Com o farto material reunido no filme é possível uma vista bastante ampla dos cotidianos, do currículo e das práticas pedagógicas nos ginásios vocacionais. “Uma alegria enorme de ir para a escola”. Ressalta-se nos depoimentos de forma recorrente a afirmação da positividade da frequência nessas escolas. “Aprendi a me manifestar”. Do mesmo modo, exalta-se também a formação oferecida, destacada como crítica e pedagogicamente elaborada, de acordo com a necessidade didática dos seus jovens alunos. 








O planejamento das aulas e a preparação dos professores também aparecem de forma relevante no documentário. Os professores ficavam até seis meses conhecendo os processos para lecionar no ginásio vocacional. Ex-alunos e ex-professores destacam enfaticamente a consistência do ensino recebido e, consequentemente, como aqueles anos no colégio foram engrandecedores para suas vidas. De 1962 até 1968 foram criadas seis unidades dos Ginásios Vocacionais, uma na capital e as demais em outras cinco cidades, com a oferta de período integral para o então 1º ciclo secundário.


“Tinha onze anos quando andei pela primeira vez por esses corredores (...). Eu não imaginava que iria fazer parte de uma das experiências mais ousadas da educação pública no Brasil”. Um detalhe cinematográfico com resultado artístico bastante interessante, Toni Venturi foi ex-aluno de um desses ginásios e suas lembranças da escola também participam da memória coletiva que constrói. O próprio filme sobre os ginásios era uma intenção de Maria Nilde que não se concretizou e será Toni Ventura que irá fazê-lo mais tarde.

São vozes e registros que até surpreendem de tanto que contrastam com a situação hoje atribuída às grandes redes públicas, estaduais e municipais. Existem outras histórias sobre a escola pública, essa é a linha de força educacional e política do filme. No entanto, é preciso saber ver o filme também. Suas imagens nos fazem perguntar sobre os sentidos da criação dos ginásios vocacionais para a representatividade étnica e racial da sociedade brasileira. O ingresso se dava por admissão em concurso e vagas eram destinadas também à comunidade local. A questão é: Vocacional era uma escola para quem?


Seja como for, do caráter democrático apenas relativo desses ginásios diante da pluralidade da sociedade brasileira e o desafio que é a educação popular, se levarmos em conta o que nos entrega o filme, o Vocacional constituiu uma experiência que foi acompanhada também pelo regime militar e por isso sua breve existência. O ensino pesquisador e contextual do Vocacional era inadequado para o governo militar, especialmente após o fechamento do regime com a decretação do AI-5, em 1968. Além das oposições e dificuldades enfrentadas dentro da própria rede pública estadual.

Vocacional – Uma Aventura Humana é um filme com o enorme valor contemporâneo ao mostrar, através da sua memória, a importância possível de ser alcançada pela escola pública, mesmo nas suas grandes redes. Apontando, portanto, para os caminhos legítimos da educação brasileira, que incluem a viva participação de professores e alunos na sua construção política e cotidiana. A parte final do filme, com a intervenção e cerco militar nos ginásios, é bastante significativa sobre o que significa “educação militarizada”, mas também do que é “luta e resistência”.

Vocacional – Uma Aventura Humana é exibido na grade de programação do Canal Curta! Pode ser visto também no Youtube, de onde extraí as imagens que utilizei aqui.

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Título: Vocacional – Uma Aventura Humana
Direção: Toni Venturi
País: Brasil
Ano: 2011



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