A culpa é de Paulo Freire?
Como parte das minhas pesquisas sobre Paulo Freire, tenho publicado
alguns textos para contestar as críticas mais vulgares dirigidas à sua obra. Já
publiquei aqui outros dois textos, a propósito dos artigos escritos por Miguel Nagibe,
do Movimento Escola Sem Partido, e por Fernando Holiday,
do Movimento Brasil Livre – MBL. Trata-se de uma articulação contra a
importância crítica de Paulo Freire na educação brasileira que não pode ficar
sem alguma resposta.
A campanha sem escrúpulos para caluniar Paulo Freire parece não ter
mais limite algum, concluo. Não é o caso nem de dizer que se trata de uma
cruzada orientada pela ignorância, pelo desconhecimento da sua obra. A palavra
“conhecimento” simplesmente não cabe aqui. Não há qualquer pretensão de um novo
conhecimento, de uma avaliação crítica sobre Paulo Freire. Estou falando de
dizer mentiras, de disseminar fake news sobre um dos mais importantes
educadores do século XX, cujo legado ainda é relevante no começo do século
atual.
A imagem que reproduzi acima é a utilizada por João Cesar de Melo para
abrir o seu artigo. A imagem já antecipa uma associação que será feita no
texto: A violência contra professores nas escolas é vinculada a Paulo Freire nas escolas. Inclusive, através da imagem, até a taxa de homicídio é freiriana. Tanta
coisa infeliz provocada por Paulo Freire, como isso é possível? A
premissa principal do artigo é fake news, constatamos. Segundo João Cesar de
Melo, já faz mais de vinte anos que adotamos no Brasil o “método Paulo Freire
de ensino”!
Claro, o argumento que orienta tudo no artigo é absolutamente falso. O
autor indica no final do seu texto uma série de links a respeito de algumas
estatísticas e informações que utiliza. Isso faz parecer que o artigo foi escrito de forma
fundamentada. É apenas um recurso para enganar sobre o principal. Não
existe qualquer referência para embasar a afirmação absolutamente estranha à
história da educação brasileira de que seguimos por aqui uma política
pedagógica freiriana. Trata-se de uma falsidade total para arruinar agora os
usos da obra de Paulo Freire.
Tudo mais no artigo está completamente comprometido com a enganosa
premissa adotada. Um dos artigos mais desprezíveis já escritos para atingir a
reputação de Paulo Freire, o autor inclusive cita registros disponíveis na
internet para dizer que salas de aula se transformam em baile funk e sites
pornôs mostram alunos transando dentro das escolas, além de referir-se ao
tráfico de drogas também nas escolas. Para João Cesar de Melo, tudo isso aí é
resultado de Paulo Freire nas escolas. Não poderia existir tentativa mais
ordinária para atingir Paulo Freire.
Não adianta listar outros abusos do texto. O problema é o ponto de
partida adotado: “O método Paulo Freire aplicado na escola brasileira”. Isso
não existe. Remeto a uma entrevista de José Eustáquio Romão,
que, em 2015, já havia se ocupado com a questão, quando a recorrente campanha
contra Paulo Freire, desde a década de 1960, é mais uma vez retomada durante as
manifestações para a destituição da presidenta Dilma Rousseff. Sem condições de
relacionar o problema de educação brasileira com uma suposta herança freiriana,
o que existe é a fraude.
Discutir qualquer outro ponto do texto seria dialogar com fake news,
um consentimento que não podemos cometer. Pelo contrário, precisamos denunciar
uma prática que é a pós-verdade como estratégia discursiva. Necessário
apontá-la para desmontar uma visão das coisas que não é orientada para um
debate minimamente razoável, mas para a imposição de uma verdade que deseja ser
transmitida autoritariamente, ao sabor apenas de doutrinas sem quaisquer
fundamentos analíticos, como fazem hoje os populistas de direita.
O artigo escrito por João Cesar de Melo é desprovido de qualquer razão
voltada para a discussão livre de ideias. Não se propõe ao debate. Não há nada
para ser considerado nele senão dizer que é parte de uma articulação para
desmoralizar Paulo Freire através da adulteração e da trapaça. O que
personagens como o autor do artigo revelam na cruzada contra Paulo Freire é um
desprezo anterior, que é a rejeição até aos valores da educação moderna, de
orientação escolanovista. E, naturalmente, o desprezo pela democracia – mesmo
como um valor burguês.
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